WALMIR JOSÉ


Diretor, ator, professor e dramaturgo

"Comecei a fazer teatro como estudante, nos anos 60, na Escola Técnica Federal, hoje Cefet. Era um período difícil de ditadura. Por causa do movimento estudantil, fomos presos e acabei tendo que parar de estudar, porque fui incluído naquele artigo 477, que falava que os subversivos não podiam mais estudar nas escolas. Aí veio a anistia. Mais tarde, fui para o Grupo Gruta, do Alcione Araújo e depois para o do José Mayer, o primeiro grupo profissional em Minas Gerais, a José Mayer Produções.

Tudo isso aconteceu até 1973. Em 1974, criei o Grupo A.M.I. A gente construiu um teatro na rua da Bahia, na sede da Associação Mineira de Imprensa. Fizemos muitas peças e foi um período muito importante para a minha formação como diretor e ator. Ficamos lá até 1979. Nesse período, toda a classe teatral se reunia no Teatro A.M.I. A gente começou a organização do teatro mineiro ali. Eu abria o Teatro para outras entidades de classes, como os professores, por exemplo. Quando abrimos o Teatro A.M.I para uma reunião dos mineiros de Morro Velho, a coisa estourou. Pegou muito mal para a Associação. Estavam todos de olho na gente e a polícia federal sempre incomodava. Então, nós fomos tirados de lá. Aí, comecei a trabalhar com a Batangüera Produções, que foi a segunda empresa profissional de Minas. Fizemos várias peças, dentre elas, "Chamas em Vento" e "Saltimbancos". Bom, daí em diante, a gente já tinha um processo de organização do teatro. Participei da fundação da Apatedemg, no princípio dos anos 80, que foi a antecessora do Sated (Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões), fundado em 84, tendo a mim como seu primeiro presidente . O Sindicato foi a grande importância de luta política e de organização de toda a classe teatral mineira. A classe teatral brasileira, naquele momento de redemocratização do Brasil, tinha a grande necessidade de uma organização de nível nacional e a gente queria fazer isso através da Confederação Brasileira, porque, de acordo com a legislação, no quarto Sindicato (já tinha o do Rio de Janeiro, de São Paulo e Rio Grande do Sul), era possível criar a Confederação e ter uma representatividade nacional. Então, o governo tentava de todas as formas fazer com que isso não acontecesse. Nós conseguimos e foi uma festa muito bonita. De 1978 a 1984, fui para Coronel Fabriciano e lá criamos a Casa de Cultura do Vale do Aço. Foi nesse período que praticamente surgiu todo aquele movimento de teatro que existe lá hoje. Daí por diante, já trabalhando como professor, participei da criação da escola do Palácio das Artes, em 1987. No final dos anos 80 e princípio de 90, escrevi algumas das peças que me deram mais destaque: "Tupi Or Not Tupi", com o qual ganhei, em Curitiba, o Salão Nacional do Humor, e "Um Sobrado em Santa Tereza", que ganhou o prêmio de literatura de Belo Horizonte. Em seguida à escola do Palácio das Artes, fui convidado pela a Universidade de Ouro Preto para organizar o núcleo de teatro da Universidade. Hoje, se tornou o Curso Superior de Artes Cênicas da cidade. Junto a isso, continuei escrevendo e dando aula em outros lugares. Durante todo esse período, trabalhei algumas vezes como diretor e como ator em peças que escrevi e com alguns diretores importantes. O Alcione Araújo, por exemplo, foi uma pessoa muito importante na minha vida. Dos papéis importantes que já fiz, destaco o da peça "Dom Chicote Mula Manca" (1974), com a qual a gente participou daqueles festivais promovidos pelo Pascoal Carlos Magno. Viajamos por todo o Brasil e ganhamos todos os prêmios. Foi super bonito. Outros trabalhos que gostei de fazer como ator foi "Lua de Cetim" (1986/87) e "Doce Companheira" (1988). Mais tarde, escrevi "São Paulo Califórnia". Em 99, dirigi "A Morte de DJ em Paris", do Roberto Drumond, com o Luiz Arthur. Foi bom trabalhar com o Luiz, porque a gente já se conhecia, por ter sido meu aluno, além de ser um ator muito talentoso. O Roberto ficou muito satisfeito e viu o seu último trabalho encenado. Mais recentemente, dirigi "Confissões", com o Luciano Luppi e "O Corpo de Manuela Jackson", do Miguel Rezende.

ESCOLA - A escola é uma possibilidade para as pessoas que têm talento sistematizarem conhecimentos, para que o desenvolvimento da carreira possa se dar muito melhor. A questão não é só de habilidade. Se o jogador de futebol não treinar e não tiver uma estrutura dentro da qual possa se desenvolver, ele vai ser apenas um habilidoso. Assim também é com o ator. Existem pessoas que são extremamente habilidosas, mas, de repente, se perdem e ficam repetindo coisas. Então uma escola, a partir do momento em que ela sistematiza o conhecimento, permite uma contração do tempo. O que levaria anos e anos para desenvolver por conta própria, pode se conseguir em muito menos tempo e com um nível de informação mais preciso.

TEATRO MINEIRO - Há uma grande diversidade no teatro mineiro. Tem artistas extraordinários, autores, coreógrafos, preparadores corporais e vocais e muitos outros. Do ponto de vista da estrutura humana e artística, o teatro tem uma possibilidade tão boa quanto tem o Rio de Janeiro, São Paulo, Paris, Londres ou Nova York. Por outro lado, existe uma estrutura física que acho terrível, porque os nossos teatros estão todos decadentes. Isso afasta o público. Nós não temos centros culturais. Praticamente, o único teatro que está tendo um bom público é o Palácio das Artes, porque as pessoas têm segurança para estacionar, conforto, uma pequena livraria, um café interessante e galerias de arte. A pessoa vai lá e tem um conjunto de atividades. Não vai somente entrar por uma porta, ver alguma coisa e ter de sair para outro lugar. Os cinemas passaram para os shoppings e o público, além de assistir ao filme, vai para uma atividade, e com conforto. Acredito que, enquanto não for solucionada esta parte física, vamos ter muitas dificuldades. Por exemplo, todos os grandes espetáculos que vinham para BH, iam para o Teatro Marília, que foi o teatro mais importante de Minas Gerais nos anos 70 e 80. Era chique ir lá. Hoje é uma decadência. Dá medo. A rua é feia, mal iluminada e o teatro não oferece nada além de você comprar o ingresso, entrar na fila, assistir à peça e sair o mais rápido possível daquelas imediações. Nós não temos um centro ou shopping cultural. Seria maravilhoso um lugar com teatros, casas de shows, livrarias, galerias e cinema. É a questão da segurança, do conforto e da multiplicidade de atividades que a pessoa pode exercer junto com o teatro, além da estrutura física que vai permitir uma produção muito mais sofisticada e que vá dar suporte a toda essa qualidade humana. Outro aspecto é que não há possibilidade de nada se desenvolver, se você faz um trabalho importante, monta seu cenário, iluminação, boa produção e tem que desmontar tudo, porque vem uma outra peça. Isso mata qualquer possibilidade. A peça é um conjunto. Caso contrário, todo o talento dessa nova geração, que é extraordinária, vai ficar se desviando de seus projetos de criação para se adequar a um espaço físico que está decadente.

POLÍTICA CULTURAL - No princípio dos anos 70, estreiava-se três ou quatro peças por ano em Belo Horizonte. A classe teatral praticamente cabia toda dentro do Maleta, onde a gente ficava comentando o ano inteiro se o diretor foi fiel ao autor, se aquele ator estava adequado ao papel ou se a cena estava assim ou assado. Quer dizer, a gente assistia a todas apresentações ou várias delas. Houve um salto muito grande e as entidades, desde a Apatedemg, passando pela Amparc e a antiga Fetemig, todas elas, contribuíram muito. Acho que o Sindicato foi, de certa forma, um pai, um gerador disso tudo aí. Mas do ponto de vista da organização e de formulação de políticas, todas elas perderam a essência hoje. Talvez pela ânsia de produção e de buscar a legislação, perderam o sentido de fazer política. Estão fazendo mais a política de captar um recurso e perderam o sentido do que é esse fazer teatral, como algo que é exercido pelos artistas, mas dirigido ao público. Acredito que tem de haver uma união dessas entidades, para buscar não só o incentivo cultural, pois isso é mais amplo e não passa somente pela produção de um espetáculo. Várias coisas que foram conseguidas, vieram a partir de acordos fechados com governadores, senadores, presidente da república, ministro da cultura e do trabalho. Ou seja, de uma atuação da categoria. Se a gente não tiver a união desses grupos em torno de um projeto real para o teatro mineiro, ele vai ficar muito dependente do dinheiro público para montagens que nem ultrapassam as fronteiras de Minas. Vai ficar atrás de uma verba de 40, 50 ou 80 mil para poder montar um negócio de um certo nível, que do ponto de vista artístico vai ficar muito bom. Mas é diferente da Tônia Carreiro, por exemplo, que recebe um milhão da Brahma para fazer uma peça que vai poder remunerar bem as pessoas, ter uma produção que vai ficar lá durante um bom tempo. Se a gente não tiver uma estrutura de suporte a isso, vai ficar dependendo única e exclusivamente da criatividade da verve desses artistas, que fazem com o máximo de esforço e o mínimo de recursos, alguma coisa que nos orgulhe e nos dê prazer de assistir.

MISSÃO DO ATOR - Despertar e prender o olhar do espectador. O ator tem que interessar ao público física e emocionalmente. Se não conseguir isso, dificilmente conseguirá ser ator.

RECADO - Hoje, se posso falar para pessoas do teatro, falaria principalmente para os jovens dessa geração: atores, diretores, produtores e artistas mineiros. Falaria para se unirem, no sentido de conseguir para as artes de Minas uma situação melhor do que a que eles receberam.

PALCO BH - Tenho o maior orgulho, porque vocês (Léo Quintão e Neise Neves, realizadores do Palco BH) estudaram na escola do Palácio das Artes na época em que trabalhava lá e fui professor de vocês. Fico com a maior alegria quando vejo que são iniciativas da criatividade. Vocês notaram a lacuna na divulgação do teatro mineiro e começaram a fazer uma coisa pequena que, de repente, se espalhou, é interessante e funciona como um documento histórico. É maravilhoso. Acho que o Palco BH é sempre uma coisa boa da gente receber, que pertence à cidade e que a população já o tem como uma referência."

Coxia
Entrevista