IONE DE MEDEIROS

Diretora do Grupo Oficcina Multimédia - (G.O.M.) da Fundação de Educação Artística

"Sou de Juiz de Fora e minha trajetória tem um dado muito particular, porque a minha formação é na área de música. Comecei a tocar com seis anos de idade, formei-me em piano e, paralelamente, no curso de Letras. Até parece que essas duas coisas não dariam em nada em relação ao teatro.

 

Mas acho que foi o grande diferencial que me empurrou para a área. Estudei para ser uma instrumentista, em um instrumento com uma capacidade solista muito grande. Mas eu queria uma experiência coletiva, o que me levou para o que chamávamos na época (1970), de música cênica. Vim para BH e fui dar aula para crianças, o que me fez abandonar tudo que sabia e começar do bê-à-bá. Em 1973, caí na Fundação de Educação Artística, que foi o grande encontro. Lá, comecei a prática de me distanciar do instrumento como concertista, através da pedagogia, dando aula de rítmica para crianças. Com isso, abri minha primeira portinha. Depois, comecei a me interessar por dança, artes plásticas, cinema, teatro e ia complementando a minha formação, pinçando cursos e desenvolvendo essa história da música voltada não somente para o instrumento e sim percebida em todos seus parâmetros através do movimento. Em 1977, apareceu o Rufo Herrera, através do Festival de Inverno da UFMG dando, exatamente, o curso de arte integrada. Foi outro grande encontro, pois ele era um compositor que queria fazer música cênica. Fiquei seis anos trabalhando com o Rufo. Em seus últimos trabalhos eu fazia assistência de direção quando, em 1980, ele quis voltar para o instrumento e para a orquestração. Mas eu já não podia parar mais. Ou assumia o grupo ou iria parar tudo. Então, em 1983, comecei a dirigir. O primeiro trabalho foi "Biografia", baseado em um poema do Ferreira Gullar. O segundo foi uma adaptação circense para "Kafka", que tinha música ao vivo, piano de cauda, violoncelo, violão, bateria e um trapézio. Isso em 1984. Em 1985, montamos "Domingo de Sol", inspirado nas artes plásticas. Depois veio o grande encontro com James Joyce, trazido por um dos atores. Foi amor à primeira vista e caiu assim como uma benção. Daí em diante, fizemos o que chamo de Trilogia Joyce. O primeiro espetáculo, feito em 1989, chamava-se "Navio-Noiva e Gaivotas". O segundo, em 1990, foi "Epifanias", também com música ao vivo, sempre contemporânea e composta originalmente para o espetáculo. O último foi "Alicinações", em 1991, já com Lewis Carroll, para introduzir a questão do universo do jogo. Depois veio "Bom Dia Missislifi" e, em 1995, o primeiro espetáculo infantil: "Happy Birthday To You". Como dava aula no Centro Pedagógico da UFMG, colhi textos e situações dos meninos de lá, contos populares e ainda referências de Lewis Carroll. Queria contribuir para a formação da identidade das crianças. Em 1996, fizemos "Babachdalgara, peça meio show, na qual se usava microfone, conversas com a platéia, citações, peças de Bach e uma luz deslumbrante da Telma Fernandes (iluminadora). Já em 1999, veio "Zaac e Zenoel", primeiro espetáculo que começa a "sujar" o cenário. Tinha água, sabão, terra, poeira e muito barulho, pois a idéia era mostrar essa modernidade que a gente vive, muito agressiva e que transforma o homem em um número e em uma engrenagem. Em 2001, montamos "A Casa de Bernarda Alba" de Garcia Lorca. Foi a primeira vez que fiz um texto de teatro. Identifiquei-me não com o peso da história, mas com a família mineira representada naquela casa. É a tragédia diluída na simpatia do mineiro, mas que está ali submersa. O próximo trabalho será Nelson Rodrigues. Vai ser um desafio. Paralelamente a isso, mantenho com o Grupo e nas aulas o trabalho de rítimica corporal, pois o G.O.M é ligado à Fundação de Educação Artística, lugar onde é pontuado todo o meu percursso. E, também, os eventos "Bienal dos Piores Poemas" e "Blooms Day", que promovemos sempre com a proposta da experimentação. Outra coisa muito importante na minha vida foram os 15 anos de Festival de Inverno da UFMG, onde tive muito espaço e respaldo. No G.O.M, tenho uma relação muito forte com o elenco, porque além da criação, procuro fortalecer a identidade de cada um. A soma dessas identidades é que resulta num trabalho forte e representativo com muita pesquisa e risco. Acaba funcionando como uma escola.

TEATRO MINEIRO - Hoje existe um teatro comercial que tem tomado muito espaço. O humor é sábio e não podemos confundir chanchada com a comédia, que é digna. Saber fazer o riso é muito nobre. Mas a chanchada está relacionada com a baixa estima, ou seja, o tornar-se menor e se ridicularizar. Ela não reforça a identidade de um país ou sociedade e é preconceituosa. Então, não vejo no que ela possa contribuir. Acho que esse riso fácil é o do preconceituoso dentro de uma sociedade conservadora. Do jeito que as coisas vão no mundo, com tanta violência, concorrência e a busca pela sobrevivência, a arte entraria como aquela dose de transcendência, rompendo com esse imediatismo e dando espaço para o sonho e a fantasia. Nós, como artistas, temos que estar ampliando o espaço dessa arte criativa.

POLÍTICA CULTURAL - A arte já deveria ter ocupado o espaço que merece. Se uma política cultural não tiver chão para entender que está na base da nossa humanidade, não haverá possibilidade de evolução. Se as empresas percebessem como é simpática a associação com a arte, quando não é agressiva, elas estariam ganhando e a sociedade também. Acho que as leis deveriam ampliar o investimento em fundo e não criar vínculo de pergunta e resposta com empresas. Por exemplo, o artista não tem que estar vinculado ao projeto numérico e sim com a qualidade. Pode ser utópico, mas isso trai a função do artista, que não é imediata e é muito maior que isso. Como poderíamos equalizar essas coisas? Leis, investimento, empresa e arte? Eu não tenho essa resposta. Uma coisa que fico preocupada, é como a política cultural não se separa de uma outra política: a do jogo de interesses. Um continuismo, que é desse ou daquele grupinho, passando por outros interesses que estão tão separados dos nossos. Como fica, então, a continuidade dessa nossa história cultural? Quem vai se encarregar dela? De repente, ela pode ser interrompida porque mudou a política. Mas mudou a história da cultura também. Quem entra e quem sai? Como é o reconhecimento do nosso desenvolvimento cultural e das nossas necessidades? E como isso vai se instalar, se não tem uma persistência e continuidade dessa visão de cultura, como uma necessidade e direito do ser humano? Há países que investem, pois já é necessidade. Então, o que é ser civilizado? Se existe a palavra civilização, ela só pode estar ligada a isso.

RECADO - Se a cultura estiver sendo vista sob um olhar mesquinho, ela poderá se resumir a um jogo de poder, no qual há um continuismo desses interesses. Alguns saem ganhando e usam isso como degrau para chegar a algum lugar. Isso é muito pessoal. A consciência do coletivo, ou seja, de que existe alguma coisa maior que o acesso pessoal, para mim, é evolução. Uma consciência com a qual se amplia um pouco mais o universo pessoal dos direitos, ganhos e lucros e se pensa num lucro maior em que todos estarão inseridos. É mesquinho esse olhar pequeno, de uma resposta tão pessoal, que traz tanto prejuízo e empata o desenvolvimento, quando poderia ser evoluído pelo olhar coletivo. Deveria ser, inclusive, a função de políticos e pessoas que ocupam altos cargos. Mas a gente não vê isso acontecer. Quando é que vai acabar essa mesquinharia?

PALCO BH - Todo mundo espera e quer sair no Palco BH, porque sabe que ele é lido por muitas pessoas e, de certa forma, ajuda a instalar esse painel do que está acontecendo na cidade. São dados concretos. É um serviço de utilidade pública que está contribuindo de uma forma muito eficaz.

Coxia
Entrevista